terça-feira, 29 de maio de 2012
segunda-feira, 28 de maio de 2012
Investigação
Resumo da investigação para tese de Doutoramento
Incidência e impacto do cyberbullying nos alunos do terceiro ciclo do ensino público português.
Pedro Miguel Ventura
Introdução, motivação e pertinência do estudo
O cyberbullying é uma das vertentes do bullying convencional ou tradicional. Com a mesma intenção de molestar, o cyberbullying é uma agressão psicológica contínua, produzida através das Tecnologias de Informação e Comunicação, vulgo TIC, tendo como resultados perturbações sociais, psicológicas, comportamentais e académicas, não só nas vítimas mas também em todos os protagonistas deste tipo de agressão. Em Portugal, na última década, foram aplicados vários projectos de desenvolvimento e aprendizagem nas TIC. Desde o Projecto Governamental das “e-Escolas”, com o computador Magalhães, passando pelos mais variados projectos e iniciativas, tais como a informatização e acesso à Internet na globalidade das escolas, a informatização de serviços públicos, governamentais e a interligação entre todos estes organismos, ao aparecimento de novos meios de comunicação individual, o país entrou definitivamente na “sociedade da informação”..
Dimensão actual do problema. O bullying e cyberbullying no contexto mundial e nacional
As investigações sobre bullying tiveram o seu inicio nos países escandinavos seguindo-se países como o Japão, o Reino Unido e a Irlanda. Actualmente, estes estudos efectuam-se na maioria dos países europeus, na Austrália, na Nova Zelândia, no Canadá e nos Estados Unidos da América. Os resultados do Relatório Internacional da Saúde Mundial (Craig, 2004; Craig & Harel, 2004) e o Relatório da UNICEF Innocenti Card 7 (United Nations Children’s Fund, 2007) referem que o bullying é um problema mundial que afecta cerca de um terço das crianças do mundo, uma vez por mês. Para cerca de 11% destas crianças, este tipo de abuso, praticado pelos seus companheiros, é severo, acontecendo várias vezes por mês. Numa pesquisa efectuada em Portugal, pela Professora da Universidade do Minho, Ana Almeida, abrangendo um universo de 7.000 alunos, mostrou-se que aproximadamente um em cada cinco alunos (22%), entre os seis e os dezasseis anos, já foi vítima de bullying, na escola.
Motivação e pertinência da investigação
Ao longo dos últimos anos, temos vindo a percepcionar que a agressão tem aumentado na escola, perturbando, consequentemente, a vida social e académica da mesma. A quase ausência de controlo destes actos, a exposição cada vez maior dos jovens à informação que contém violência gratuita e a sua repetição, também gratuita, por parte destes, é motivo de preocupação pessoal e, creio, da sociedade em geral. As investigações sobre o cyberbullying no território nacional português e mais concretamente na faixa etária dos onze aos dezassete anos de idade, onde o bullying tem mais impacto, são quase nulas. O impacto produzido pelo bullying na sociedade pode ser extrapolado para o cyberbullying, requerendo, assim, a urgência de uma investigação aprofundada que confirme esta relação com o objectivo de informar e, por sua vez, minimizar o seu impacto e incidência na sociedade estudantil portuguesa. É, portanto, pertinente a investigação a esta forma de agressão que se recorre das novas tecnologias e que atinge e perturba de forma profunda a sociedade adolescente portuguesa.
Definição de Bullying
O bullying é uma acção de agressão físico-psicológica-social prolongada no tempo e na repetição da ocorrência. O conceito de bullying pode ser traduzido como um acto de agredir, ameaçar, assustar, maltratar, arreliar ou oprimir, ou uma acção praticada por um “bully”, que traduzido pode ser: rufia, mandão, tirano, valentão ou fanfarrão. Este fenómeno consiste em comportamentos agressivos e persistentes exercidos por um indivíduo ou por um grupo de indivíduos que podem durar semanas, meses ou anos.
O bullying na escola
O bullying está associado ao espaço escola, uma conotação que se deve substancialmente às idades dos agentes que o protagonizam. A sociabilização é acentuada neste espaço, logo é aqui que funciona, como um “laboratório experimental” das atitudes sociais e psicológicas do ser humano. Os protagonistas do bullying: o Agressor, a Vítima e o Observador Seguindo a teoria sócio-ecológica e os factores referência que influenciam o “nascimento” de um bully, podemos extrapolar os mesmos para o perfil da vítima. Assim, alguns dos investigadores do comportamento bullying entre os alunos em idade escolar, identificam e classificam os tipos de papéis sociais desempenhados pelos seus protagonistas como: a “vítima típica”, como aquele que serve de bode expiatório para um grupo; a “vítima provocadora”, como aquele que provoca determinadas reacções contra as quais não possui habilidades para lidar com; a “vítima agressora”, como aquele que reproduz os maus-tratos sofridos; o “agressor”: aquele que ataca os mais fracos; o “espectador”, que é aquele que presencia os maus-tratos, porém não os sofre directamente e nem os pratica, mas que se expõe e reage inconscientemente ao estimulo.
Efeitos psicológicos, sociais e académicos do bullying
As consequências para as vítimas deste fenómeno são graves e abrangentes, promovendo no âmbito escolar o desinteresse pela escola, o deficit de concentração e aprendizagem, a queda do rendimento, o absentismo e a evasão escolar. Para os agressores, estabelece-se o distanciamento social e a falta de adaptação aos objectivos escolares, a sobrevalorização da violência como forma de obtenção de poder, o desenvolvimento de habilidades para futuras condutas criminais, além da projecção de condutas violentas na vida adulta (Espelage & Holt, 2001; Haynie, Nansel & Eitel, 2001). Se socialmente e psicologicamente o bullying é devastador, academicamente pode ser o primeiro indício de alguma coisa não está bem com a criança ou adolescente. Independentemente do nível escolar onde se encontra, Primeiro, Segundo ou Terceiro Ciclo, o aluno vítima de bullying tem dificuldades na concentração e respectiva capacidade de fixação dos conteúdos leccionados.
Definição e tipologia do cyberbullying
O cyberbullying define-se como, ameaças ou comportamentos ofensivos enviados via meios electrónicos de comunicação online para a, ou as vítimas. Podem ser também informações/ameaças/agressões, com os mais variados formatos, imagens, fotos, vídeos ou texto, colocados e difundidos online, sobre e para uma vítima, com o objectivo de que outros vejam. (Wolak, Mitchell, Finkelhor et al., 2006; Kowalski, Limber, Agatston, 2008; Shariff, 2008).
Proposta de investigação
Após a explanação da problemática que envolve o bullying na sua vertente cyber e as consequências psicológicas, sociais e académicas que atingem os protagonistas desta realidade, seja vítima, agressor ou observador, é de facto fácil, perceber que o objectivo da investigação é quantificar e qualificar o impacto e a incidência que este tipo de abuso tem a nível nacional.
Objectivo geral
Partindo do pressuposto que o cyberbullying já tem expressão no panorama nacional, colocamos como objectivos gerais, a quantificação e qualificação do impacto e a incidência dos actos de cyberbullying nos alunos do terceiro ciclo de ensino básico em Portugal e as suas consequências ao nível psicológico, social e académico.
Objectivos específicos
Além dos objectivos gerais, pensamos que podemos especificar, recolhendo dados e cruzando-os, com o propósito de clarificar outros aspectos relacionados com este tema de investigação. Assim, como objectivos específicos, pretendemos: Quantificar quais os métodos e meios mais utilizados; Qualificar o impacto do cyberbullying no meio escolar; Identificar quais a zonas do país onde existem mais ocorrências; Identificar os propósitos dos agressores; Perceber quais as consequências psicológicas e sociais para as vítimas; Obter uma imagem do estado do cyberbullying em Portugal.
Hipóteses
Como primeira e principal hipótese pensamos que o impacto e incidência do cyberbullying nos adolescentes do terceiro ciclo do ensino básico são, efectivamente, relevantes no contexto social escolar português. Como segunda hipótese achamos que o cyberbullying pode ser ramificado em duas linhas de actuação distintas, uma como veículo de prolongamento do bullying convencional, no sentido de somente perpetuar o anterior utilizando novos caminhos, e outra como cyberbullying original, que recorre a novas formas de agressão sem ligação ao bullying convencional, explorando as novas potencialidades das TIC.
Instrumentos de recolha de dados
Como instrumento de recolha de dados e por uma questão prática, rápida e abrangente, utilizámos um inquérito online. Este tipo de inquérito tem as vantagens de: se lhe poder aceder em qualquer ponto da Internet, se obterem dados directamente em formato digital, ter uma ligação directa com o tema de estudo, possuir um formato simpático ou amigável entre a população alvo e por último, deixa-nos a possibilidade de experimentar e corrigir as possíveis falhas muito rapidamente
Construção do inquérito
Tendo a investigação, como população alvo, os jovens alunos do terceiro ciclo do ensino básico do sistema de ensino português, que pode ter uma variação de idades entre os onze e os dezassete anos de idade (contabilizando os retidos nos vários anos que compõem este ciclo), foi elaborado um questionário tendo em conta três princípios: a linguagem tipo, de forma a facilitar o entendimento pelos inquiridos; a construção de questões, ou conjunto de questões, de forma a obter uma maior variedade de dados e o anonimato de quem é questionado.
Aplicação das entrevistas.
Foi nossa pretensão que as entrevistas de validação fossem produzidas em três escolas com terceiro ciclo do ensino básico localizadas em três áreas geográficas distintas, nomeadamente norte, centro e sul do país, bem como em turmas dos mesmos anos lectivos dos grupos alvo do inquérito. As entrevistas foram semi-orientadas, com colocação de perguntas-guia, abertas
Análise dos dados
A análise dos dados do questionário online foi executada com os softwares: SPSS – Statistical Package for the Social Sciences, versão 17.0, a folha de cálculo Excel do Microsoft Office 2007 e o programa PRIMER v5 (PRIMER-E, Ltd), segundo Clarke e Warwick (1994), de forma a obter resultados coerentes e indicando respostas concretas e claras, com o objectivo de validar, ou não, as hipóteses formuladas. Com estes programas informáticos, foram executados tratamentos estatísticos básicos como análise descritiva univariada, frequências relativas, correlações lineares e análise multivariada com gráficos de dispersão e/ou ordenação.
Análise do questionário online
A fiabilidade estatística do questionário foi analisada segundo o método mais utilizado em ciências sociais, o coeficiente de Alfa de Cronbach, (Moroco e Garcia Marques, 2006). O valor obtido de Alfa, a = 0.876, encontra-se dentro do intervalo que segundo a tabela formulada por Murphy & Davidsholder, (1988, p. 89) se considera como de Fiabilidade moderada a elevada (0.8-0.9), permitindo assim concluir que o questionário tem fiabilidade apropriada.
Caracterização da amostra
Para esta nossa investigação pretendeu-se uma amostragem probabilística aleatória estratificada, (Spiegel, M., 1977; Zorrilla A.,1996) não só porque o acaso não é uma garantia de representação, mas porque assim conseguimos forma de garantir a representação de cada grupo (ano de escolaridade) na amostra. Foram validados novecentos e trinta e quatro inquéritos, provenientes de onze distritos nacionais. Foram respondidos setecentos e trinta e nove inquéritos em meio escolar e controlado (79,1%), e cento e noventa e cinco fora do meio escolar (20,9%)
Vítimas de cyberbullying
A análise efectuada ao grupo das vítimas de cyberbullying efectuou-se de forma a que se conseguisse retirar informação indirecta e não questionando se o inquirido era, de facto, vítima de uma das agressões. O questionário foi pensado para que se conseguisse apurar graus de agressão, não por uma qualificação extensa na resposta singular, mas no somatório das questões relacionadas com o tipo de agressão (cyberbullying ou bullying).
Incidência em meio escolar.
Sobre a incidência do cyberbullying por distrito administrativo revela-nos que Lisboa, Setúbal e Aveiro são os distritos onde existe a maior percentagem de vítimas destas forma/meios de agressão. No lado oposto e com menor percentagem de incidência de agressões de cyberbullying apresenta-se o distrito do Porto e as ilhas dos Açores. A média nacional de 19,5% revela que o cyberbullying é uma agressão que atinge cerca de um quinto da população estudantil do terceiro ciclo nacional em 2010.
Impacto
No grupo das vítimas de cyberbullying, n=143, 56,5% dos inquiridos responderam que não existiu qualquer consequência na sequência da agressão. O maior impacto, tal como nos outros dois grupos, é na área psicológica que atinge 19% das vítimas, seguido da área social onde 14% se sente afectado e por ultimo na área académica, onde só 9,8% afirmam que a agressão afectou o seu desempenho escolar.
Entrevistas colectivas semi-direcionadas
Realizaram-se durante o mês de Maio de 2010, em três escolas com terceiro ciclo do ensino básico público nacional, em três regiões distintas e aleatórias do continente, centro-norte, litoral-centro e litoral-sul. As palestras/entrevistas foram realizadas a três turmas de cada escola, uma por cada ano escolar do terceiro ciclo.
Análise das entrevistas
Os dados obtidos nas entrevistas vieram confirmar parte dos dados analisados no inquérito em meio escolar. Entre os que se confirmam, encontram-se as vítimas por ano de escolaridade que foram importunadas pelo menos uma vez via TIC, onde as percentagens de incidência são quase idênticas (no 9º ano a diferença é de 0,1%).
Conclusões e recomendações
A investigação veio confirmar a primeira e principal hipótese por nós colocada: a incidência e o impacto do cyberbullying nos alunos do terceiro ciclo do ensino básico são, efectivamente, relevantes no contexto escolar português. Podemos inferir que a média nacional de prevalência do cyberbullying nos alunos do terceiro ciclo do ensino público português em 2010 é de 19,5 %. O que corresponde a um quinto da população estudantil entre os onze e os dezassete anos de idade. A percentagem que apurámos, revela-se aproximada, por defeito, das médias verificadas em Espanha, as quais se encontram entre os 25% e os 29% de incidência em 2010 (Buelga et al., 2010) e efectuadas às mesmas faixas etárias. Os dados investigados revelam-nos que existem maiores taxas de incidência de cyberbullying nos distritos do litoral nacional e de maior agregado populacional, com excepção feita ao distrito do Porto que apresentou a taxa de incidência mais baixa de todos os distritos investigados. Ao apurarmos que dois terços das vítimas de cyberbullying também foram vítimas de bullying, concluímos que estes são idênticos aos apurados por Mitchell et al. (2007). As vítimas que conheciam o seu agressor apresentam uma percentagem similar à anterior (2/3), levando-nos a concluir que a grande percentagem dos actos de agressão de cyberbullying são extensões dos actos de bullying. Esta conclusão permite confirmar a segunda hipótese colocada, onde achamos que o cyberbullying pode ser ramificado em duas linhas de actuação distintas, uma como veículo de prolongamento do bullying convencional, no sentido de somente perpetuar o anterior utilizando novos meios para agredir (Dehue, Bolman, & Völlink, 2008; Li, 2008; Ortega, Calmaestra, & Mérchan, 2008) e outra como cyberbullying original, que recorre a novas formas de agressão sem ligação ao bullying convencional, explorando as novas potencialidades das TIC. Confirmou-se que existe impacto das agressões do cyberbullying nas três áreas pré-definidas, foro psicológico, social e no rendimento académico das vítimas. O grupo de vítimas de cyberbullying que referiu que é alvo de agressões frequentes, foi o que revelou um maior impacto psicológico. Levando-nos a concluir que a repetição das agressões é a que maior impacto produz, nomeadamente no foro psicológico. As raparigas vítimas de cyberbullying apresentam um maior impacto no foro psicológico e académico e os rapazes, do mesmo grupo, no foro social. Os todos os objectivos a que nos propusemos para esta investigação foram atingidos. Na sequência dos dados e conclusões explanadas, recomendamos que seja incluído nos vários programas de educação nas TIC, e nos vários ciclos de ensino, instrução sobre o comportamento a ter nas várias formas /meios de comunicação, quais as formas de defesa e qual a atitude a seguir quando se for alvo deste tipo de agressão. Achamos plausível que seja alterada o Código Penal Português (Lei 59/2007, de 4 de Setembro) no seu Artigo 19º - Inimputabilidade em razão da idade. Achamos que deveria ser alterado o limite de idade dos 16 para os 14 anos de idade. Será importante a continuação desta investigação, não só para se perceber qual a evolução do cyberbullying em Portugal e nomeadamente no terceiro ciclo de ensino básico público, mas também para se entender quais as variantes das agressões mais utilizadas, quais causarão mais impacto, e acima de tudo, entender as motivações para se encontrem formas mais eficazes de as prevenir ou combater.
Incidência e impacto do cyberbullying nos alunos do terceiro ciclo do ensino público português.
Pedro Miguel Ventura
Introdução, motivação e pertinência do estudo
O cyberbullying é uma das vertentes do bullying convencional ou tradicional. Com a mesma intenção de molestar, o cyberbullying é uma agressão psicológica contínua, produzida através das Tecnologias de Informação e Comunicação, vulgo TIC, tendo como resultados perturbações sociais, psicológicas, comportamentais e académicas, não só nas vítimas mas também em todos os protagonistas deste tipo de agressão. Em Portugal, na última década, foram aplicados vários projectos de desenvolvimento e aprendizagem nas TIC. Desde o Projecto Governamental das “e-Escolas”, com o computador Magalhães, passando pelos mais variados projectos e iniciativas, tais como a informatização e acesso à Internet na globalidade das escolas, a informatização de serviços públicos, governamentais e a interligação entre todos estes organismos, ao aparecimento de novos meios de comunicação individual, o país entrou definitivamente na “sociedade da informação”..
Dimensão actual do problema. O bullying e cyberbullying no contexto mundial e nacional
As investigações sobre bullying tiveram o seu inicio nos países escandinavos seguindo-se países como o Japão, o Reino Unido e a Irlanda. Actualmente, estes estudos efectuam-se na maioria dos países europeus, na Austrália, na Nova Zelândia, no Canadá e nos Estados Unidos da América. Os resultados do Relatório Internacional da Saúde Mundial (Craig, 2004; Craig & Harel, 2004) e o Relatório da UNICEF Innocenti Card 7 (United Nations Children’s Fund, 2007) referem que o bullying é um problema mundial que afecta cerca de um terço das crianças do mundo, uma vez por mês. Para cerca de 11% destas crianças, este tipo de abuso, praticado pelos seus companheiros, é severo, acontecendo várias vezes por mês. Numa pesquisa efectuada em Portugal, pela Professora da Universidade do Minho, Ana Almeida, abrangendo um universo de 7.000 alunos, mostrou-se que aproximadamente um em cada cinco alunos (22%), entre os seis e os dezasseis anos, já foi vítima de bullying, na escola.
Motivação e pertinência da investigação
Ao longo dos últimos anos, temos vindo a percepcionar que a agressão tem aumentado na escola, perturbando, consequentemente, a vida social e académica da mesma. A quase ausência de controlo destes actos, a exposição cada vez maior dos jovens à informação que contém violência gratuita e a sua repetição, também gratuita, por parte destes, é motivo de preocupação pessoal e, creio, da sociedade em geral. As investigações sobre o cyberbullying no território nacional português e mais concretamente na faixa etária dos onze aos dezassete anos de idade, onde o bullying tem mais impacto, são quase nulas. O impacto produzido pelo bullying na sociedade pode ser extrapolado para o cyberbullying, requerendo, assim, a urgência de uma investigação aprofundada que confirme esta relação com o objectivo de informar e, por sua vez, minimizar o seu impacto e incidência na sociedade estudantil portuguesa. É, portanto, pertinente a investigação a esta forma de agressão que se recorre das novas tecnologias e que atinge e perturba de forma profunda a sociedade adolescente portuguesa.
Definição de Bullying
O bullying é uma acção de agressão físico-psicológica-social prolongada no tempo e na repetição da ocorrência. O conceito de bullying pode ser traduzido como um acto de agredir, ameaçar, assustar, maltratar, arreliar ou oprimir, ou uma acção praticada por um “bully”, que traduzido pode ser: rufia, mandão, tirano, valentão ou fanfarrão. Este fenómeno consiste em comportamentos agressivos e persistentes exercidos por um indivíduo ou por um grupo de indivíduos que podem durar semanas, meses ou anos.
O bullying na escola
O bullying está associado ao espaço escola, uma conotação que se deve substancialmente às idades dos agentes que o protagonizam. A sociabilização é acentuada neste espaço, logo é aqui que funciona, como um “laboratório experimental” das atitudes sociais e psicológicas do ser humano. Os protagonistas do bullying: o Agressor, a Vítima e o Observador Seguindo a teoria sócio-ecológica e os factores referência que influenciam o “nascimento” de um bully, podemos extrapolar os mesmos para o perfil da vítima. Assim, alguns dos investigadores do comportamento bullying entre os alunos em idade escolar, identificam e classificam os tipos de papéis sociais desempenhados pelos seus protagonistas como: a “vítima típica”, como aquele que serve de bode expiatório para um grupo; a “vítima provocadora”, como aquele que provoca determinadas reacções contra as quais não possui habilidades para lidar com; a “vítima agressora”, como aquele que reproduz os maus-tratos sofridos; o “agressor”: aquele que ataca os mais fracos; o “espectador”, que é aquele que presencia os maus-tratos, porém não os sofre directamente e nem os pratica, mas que se expõe e reage inconscientemente ao estimulo.
Efeitos psicológicos, sociais e académicos do bullying
As consequências para as vítimas deste fenómeno são graves e abrangentes, promovendo no âmbito escolar o desinteresse pela escola, o deficit de concentração e aprendizagem, a queda do rendimento, o absentismo e a evasão escolar. Para os agressores, estabelece-se o distanciamento social e a falta de adaptação aos objectivos escolares, a sobrevalorização da violência como forma de obtenção de poder, o desenvolvimento de habilidades para futuras condutas criminais, além da projecção de condutas violentas na vida adulta (Espelage & Holt, 2001; Haynie, Nansel & Eitel, 2001). Se socialmente e psicologicamente o bullying é devastador, academicamente pode ser o primeiro indício de alguma coisa não está bem com a criança ou adolescente. Independentemente do nível escolar onde se encontra, Primeiro, Segundo ou Terceiro Ciclo, o aluno vítima de bullying tem dificuldades na concentração e respectiva capacidade de fixação dos conteúdos leccionados.
Definição e tipologia do cyberbullying
O cyberbullying define-se como, ameaças ou comportamentos ofensivos enviados via meios electrónicos de comunicação online para a, ou as vítimas. Podem ser também informações/ameaças/agressões, com os mais variados formatos, imagens, fotos, vídeos ou texto, colocados e difundidos online, sobre e para uma vítima, com o objectivo de que outros vejam. (Wolak, Mitchell, Finkelhor et al., 2006; Kowalski, Limber, Agatston, 2008; Shariff, 2008).
Proposta de investigação
Após a explanação da problemática que envolve o bullying na sua vertente cyber e as consequências psicológicas, sociais e académicas que atingem os protagonistas desta realidade, seja vítima, agressor ou observador, é de facto fácil, perceber que o objectivo da investigação é quantificar e qualificar o impacto e a incidência que este tipo de abuso tem a nível nacional.
Objectivo geral
Partindo do pressuposto que o cyberbullying já tem expressão no panorama nacional, colocamos como objectivos gerais, a quantificação e qualificação do impacto e a incidência dos actos de cyberbullying nos alunos do terceiro ciclo de ensino básico em Portugal e as suas consequências ao nível psicológico, social e académico.
Objectivos específicos
Além dos objectivos gerais, pensamos que podemos especificar, recolhendo dados e cruzando-os, com o propósito de clarificar outros aspectos relacionados com este tema de investigação. Assim, como objectivos específicos, pretendemos: Quantificar quais os métodos e meios mais utilizados; Qualificar o impacto do cyberbullying no meio escolar; Identificar quais a zonas do país onde existem mais ocorrências; Identificar os propósitos dos agressores; Perceber quais as consequências psicológicas e sociais para as vítimas; Obter uma imagem do estado do cyberbullying em Portugal.
Hipóteses
Como primeira e principal hipótese pensamos que o impacto e incidência do cyberbullying nos adolescentes do terceiro ciclo do ensino básico são, efectivamente, relevantes no contexto social escolar português. Como segunda hipótese achamos que o cyberbullying pode ser ramificado em duas linhas de actuação distintas, uma como veículo de prolongamento do bullying convencional, no sentido de somente perpetuar o anterior utilizando novos caminhos, e outra como cyberbullying original, que recorre a novas formas de agressão sem ligação ao bullying convencional, explorando as novas potencialidades das TIC.
Instrumentos de recolha de dados
Como instrumento de recolha de dados e por uma questão prática, rápida e abrangente, utilizámos um inquérito online. Este tipo de inquérito tem as vantagens de: se lhe poder aceder em qualquer ponto da Internet, se obterem dados directamente em formato digital, ter uma ligação directa com o tema de estudo, possuir um formato simpático ou amigável entre a população alvo e por último, deixa-nos a possibilidade de experimentar e corrigir as possíveis falhas muito rapidamente
Construção do inquérito
Tendo a investigação, como população alvo, os jovens alunos do terceiro ciclo do ensino básico do sistema de ensino português, que pode ter uma variação de idades entre os onze e os dezassete anos de idade (contabilizando os retidos nos vários anos que compõem este ciclo), foi elaborado um questionário tendo em conta três princípios: a linguagem tipo, de forma a facilitar o entendimento pelos inquiridos; a construção de questões, ou conjunto de questões, de forma a obter uma maior variedade de dados e o anonimato de quem é questionado.
Aplicação das entrevistas.
Foi nossa pretensão que as entrevistas de validação fossem produzidas em três escolas com terceiro ciclo do ensino básico localizadas em três áreas geográficas distintas, nomeadamente norte, centro e sul do país, bem como em turmas dos mesmos anos lectivos dos grupos alvo do inquérito. As entrevistas foram semi-orientadas, com colocação de perguntas-guia, abertas
Análise dos dados
A análise dos dados do questionário online foi executada com os softwares: SPSS – Statistical Package for the Social Sciences, versão 17.0, a folha de cálculo Excel do Microsoft Office 2007 e o programa PRIMER v5 (PRIMER-E, Ltd), segundo Clarke e Warwick (1994), de forma a obter resultados coerentes e indicando respostas concretas e claras, com o objectivo de validar, ou não, as hipóteses formuladas. Com estes programas informáticos, foram executados tratamentos estatísticos básicos como análise descritiva univariada, frequências relativas, correlações lineares e análise multivariada com gráficos de dispersão e/ou ordenação.
Análise do questionário online
A fiabilidade estatística do questionário foi analisada segundo o método mais utilizado em ciências sociais, o coeficiente de Alfa de Cronbach, (Moroco e Garcia Marques, 2006). O valor obtido de Alfa, a = 0.876, encontra-se dentro do intervalo que segundo a tabela formulada por Murphy & Davidsholder, (1988, p. 89) se considera como de Fiabilidade moderada a elevada (0.8-0.9), permitindo assim concluir que o questionário tem fiabilidade apropriada.
Caracterização da amostra
Para esta nossa investigação pretendeu-se uma amostragem probabilística aleatória estratificada, (Spiegel, M., 1977; Zorrilla A.,1996) não só porque o acaso não é uma garantia de representação, mas porque assim conseguimos forma de garantir a representação de cada grupo (ano de escolaridade) na amostra. Foram validados novecentos e trinta e quatro inquéritos, provenientes de onze distritos nacionais. Foram respondidos setecentos e trinta e nove inquéritos em meio escolar e controlado (79,1%), e cento e noventa e cinco fora do meio escolar (20,9%)
Vítimas de cyberbullying
A análise efectuada ao grupo das vítimas de cyberbullying efectuou-se de forma a que se conseguisse retirar informação indirecta e não questionando se o inquirido era, de facto, vítima de uma das agressões. O questionário foi pensado para que se conseguisse apurar graus de agressão, não por uma qualificação extensa na resposta singular, mas no somatório das questões relacionadas com o tipo de agressão (cyberbullying ou bullying).
Incidência em meio escolar.
Sobre a incidência do cyberbullying por distrito administrativo revela-nos que Lisboa, Setúbal e Aveiro são os distritos onde existe a maior percentagem de vítimas destas forma/meios de agressão. No lado oposto e com menor percentagem de incidência de agressões de cyberbullying apresenta-se o distrito do Porto e as ilhas dos Açores. A média nacional de 19,5% revela que o cyberbullying é uma agressão que atinge cerca de um quinto da população estudantil do terceiro ciclo nacional em 2010.
Impacto
No grupo das vítimas de cyberbullying, n=143, 56,5% dos inquiridos responderam que não existiu qualquer consequência na sequência da agressão. O maior impacto, tal como nos outros dois grupos, é na área psicológica que atinge 19% das vítimas, seguido da área social onde 14% se sente afectado e por ultimo na área académica, onde só 9,8% afirmam que a agressão afectou o seu desempenho escolar.
Entrevistas colectivas semi-direcionadas
Realizaram-se durante o mês de Maio de 2010, em três escolas com terceiro ciclo do ensino básico público nacional, em três regiões distintas e aleatórias do continente, centro-norte, litoral-centro e litoral-sul. As palestras/entrevistas foram realizadas a três turmas de cada escola, uma por cada ano escolar do terceiro ciclo.
Análise das entrevistas
Os dados obtidos nas entrevistas vieram confirmar parte dos dados analisados no inquérito em meio escolar. Entre os que se confirmam, encontram-se as vítimas por ano de escolaridade que foram importunadas pelo menos uma vez via TIC, onde as percentagens de incidência são quase idênticas (no 9º ano a diferença é de 0,1%).
Conclusões e recomendações
A investigação veio confirmar a primeira e principal hipótese por nós colocada: a incidência e o impacto do cyberbullying nos alunos do terceiro ciclo do ensino básico são, efectivamente, relevantes no contexto escolar português. Podemos inferir que a média nacional de prevalência do cyberbullying nos alunos do terceiro ciclo do ensino público português em 2010 é de 19,5 %. O que corresponde a um quinto da população estudantil entre os onze e os dezassete anos de idade. A percentagem que apurámos, revela-se aproximada, por defeito, das médias verificadas em Espanha, as quais se encontram entre os 25% e os 29% de incidência em 2010 (Buelga et al., 2010) e efectuadas às mesmas faixas etárias. Os dados investigados revelam-nos que existem maiores taxas de incidência de cyberbullying nos distritos do litoral nacional e de maior agregado populacional, com excepção feita ao distrito do Porto que apresentou a taxa de incidência mais baixa de todos os distritos investigados. Ao apurarmos que dois terços das vítimas de cyberbullying também foram vítimas de bullying, concluímos que estes são idênticos aos apurados por Mitchell et al. (2007). As vítimas que conheciam o seu agressor apresentam uma percentagem similar à anterior (2/3), levando-nos a concluir que a grande percentagem dos actos de agressão de cyberbullying são extensões dos actos de bullying. Esta conclusão permite confirmar a segunda hipótese colocada, onde achamos que o cyberbullying pode ser ramificado em duas linhas de actuação distintas, uma como veículo de prolongamento do bullying convencional, no sentido de somente perpetuar o anterior utilizando novos meios para agredir (Dehue, Bolman, & Völlink, 2008; Li, 2008; Ortega, Calmaestra, & Mérchan, 2008) e outra como cyberbullying original, que recorre a novas formas de agressão sem ligação ao bullying convencional, explorando as novas potencialidades das TIC. Confirmou-se que existe impacto das agressões do cyberbullying nas três áreas pré-definidas, foro psicológico, social e no rendimento académico das vítimas. O grupo de vítimas de cyberbullying que referiu que é alvo de agressões frequentes, foi o que revelou um maior impacto psicológico. Levando-nos a concluir que a repetição das agressões é a que maior impacto produz, nomeadamente no foro psicológico. As raparigas vítimas de cyberbullying apresentam um maior impacto no foro psicológico e académico e os rapazes, do mesmo grupo, no foro social. Os todos os objectivos a que nos propusemos para esta investigação foram atingidos. Na sequência dos dados e conclusões explanadas, recomendamos que seja incluído nos vários programas de educação nas TIC, e nos vários ciclos de ensino, instrução sobre o comportamento a ter nas várias formas /meios de comunicação, quais as formas de defesa e qual a atitude a seguir quando se for alvo deste tipo de agressão. Achamos plausível que seja alterada o Código Penal Português (Lei 59/2007, de 4 de Setembro) no seu Artigo 19º - Inimputabilidade em razão da idade. Achamos que deveria ser alterado o limite de idade dos 16 para os 14 anos de idade. Será importante a continuação desta investigação, não só para se perceber qual a evolução do cyberbullying em Portugal e nomeadamente no terceiro ciclo de ensino básico público, mas também para se entender quais as variantes das agressões mais utilizadas, quais causarão mais impacto, e acima de tudo, entender as motivações para se encontrem formas mais eficazes de as prevenir ou combater.
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